FAZENDA CHACRINHA

Em 13 de outubro de 1805, o guarda-mor substituto em Rio Preto, Joaquim José dos Santos, requereu a D. Fernando José de Portugal, capitão general de Mar e Terra e Vice-Rei do Estado do Brasil, uma sesmaria de meia légua em quadra, no sertão dos índios Coroados de Valença, às margens do rio das Flores1 . No ano de 1812, o mesmo Joaquim solicita a medição e demarcação de suas terras que, um ano depois, juntam-se à sesmaria de Campo Alegre, adquirida provavelmente do alferes Alexandre Manoel de Lemos, fundador desta2 . Tudo leva a crer que Manoel Pereira de Souza Barros adquiriu as duas sesmarias de Joaquim José dos Santos em meados da década de 1840, levando algum tempo para estabelecer-se definitivamente com a família nas terras. Durante as décadas de 1850 e 1860, o capitão Souza Barros desenvolveu suas fazendas com lavoura de café. Residindo na Fazenda Campo Alegre, entretanto, não abandonou Chacrinha. Nesta última, que já possuía casa de morada e engenhos construídos por Santos em princípios do século XIX, Souza Barros mantinha engenho de cana, para a produção de aguardente e açúcar, gêneros ainda importantes, inclusive como moeda de troca. Segundo o historiador valenciano, José Leoni Iório, a Fazenda Chacrinha foi reservada ao seu filho homônimo. Emitido na posse, logo em seguida Manoel Pereira de Souza Barros, o filho, casou-se com a prima, D. Rita Arnalda Pereira de Souza Barros, com quem teve 11 filhos, sendo que dez atingiram a idade adulta. A atual sede da Fazenda Chacrinha, que substitui uma modesta casa de vivenda construída por Santos, começou a ser edificada no final da década de 1860, o que coincide com o retorno de Manoel para a fazenda do pai. A partir do final da década de 1860, o tenente coronel Manoel Pereira de Souza Barros se dedica aos negócios da fazenda em companhia do pai. Participa ativamente da vida social e política da cidade de Valença, porém não se afasta do ambiente social da Corte. Divide o seu tempo entre Valença e a Capital do Império do Brasil, onde transforma a antiga residência de seus pais em um elegante palacete. Nesta ocasião o imponente Solar da Chacrinha ainda está sendo concluído e a produção de café está a todo vapor. Os milhares de arrobas produzidos nas fazendas são frutos dos jovens cafeeiros, plantados nas derrubadas novas que sabiamente seu pai reservou para quando as de Campo Alegre estivessem esgotadas3 . Os investimentos tecnológicos, logísticos e sociais implantados na vida da Fazenda Campo Alegre, por Souza Barros, mesmo depois da morte de seu pai, nos fazem acreditar que ele abandonou o projeto de residir na Chacrinha. A mudança de idéia teria sido a favor do filho mais velho, também chamado Manoel Pereira de Souza Barros, para quando este atingisse a idade adulta e estivesse pronto para gerir os negócios da fazenda. Souza Barros participa ativamente na viabilização da fundação da Companhia Estrada de Ferro União Valenciana. Além de sócio, seria também presidente da Companhia em 1870. Assim, em suas terras fez construir a estação que levou seu nome, “Souza Barros”, que tempos depois teve o nome mudado para “Estação de Chacrinha”, dando origem ao bairro do mesmo nome. A partir desta estação, construiu uma linha férrea por tração animal, de sete quilômetros, até Campo Alegre. Com a ferrovia, a produção das fazendas e sítios chegava mais rápido aos portos da Corte. Na contramão do café, luxo e progresso. Em 17 de dezembro de 1881, Manoel Pereira de Souza Barros é agraciado com o título de barão de Vista Alegre, coroando o auge de sua ascensão social. O momento histórico coincide com a quase conclusão do luxuoso Solar da Chacrinha, avaliado na época em 30 contos de réis. Para marcar a data, manda colocar uma cartela com as inscrições do ano de 1881 na porta lateral do Solar da Chacrinha. Além da produção de café, Chacrinha se consolida como importante produtora de aguardente, uma das poucas fazendas com produção em escala comercial. Vista Alegre herdou do pai 234 escravos e sabe-se que este número aumentou tempos depois4 . A abolição coincidiu com o mês de café maduro, por isso uma corrida contra o tempo surgiu para muitos fazendeiros. A safra de 1888 estava completamente comprometida, já que muitos haviam vendido o café no pé. Houve uma corrida aos bancos e casas comissárias. Com a perspectiva de perder tudo que havia conquistado e com a saúde abalada por complicações cardíacas o Barão de Vista Alegre falecia, repentinamente, com a idade de 42 anos, no seu palacete da Rua Conde d’Eu em 08/01/1891. Seus restos mortais foram inumados no Cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro. A Fazenda Chacrinha que, estava hipotecada, foi arrematada pelos Esteves, Irmãos e Cia., por 195:295$0005 . Sem sabermos do real motivo da dissolução do patrimônio rural dos Esteves, o certo é que estes hipotecaram ao Banco do Brasil as fazendas Chacrinha (05/08/1892), Campo Alegre, Santa Thereza e Vista Alegre, estas duas últimas havidas em execução de uma hipoteca do Visconde de Pimentel, datada de 08/08/1881, no valor de 120 contos de réis6 . Levadas novamente a leilão pelo Banco do Brasil, em 1901, as quatro fazendas acima mencionadas são adquiridas pelos irmãos Álvaro e Horácio Mendes de Oliveira Castro. Com os Mendes de Oliveira Castro um novo ciclo se inicia na história dessas fazendas. Álvaro e Horácio eram filhos do primeiro matrimônio de José Mendes de Oliveira Castro, o barão de Oliveira Castro, e Carlota Deolinda de Carvalho Ribeiro. Álvaro era engenheiro civil e trabalhou no projeto da Estrada de Ferro do Corcovado no Rio de Janeiro. Depois de fechado o negócio, os irmãos Oliveira Castro formaram a sociedade denominada Companhia Alliança Agrícola, proprietária das fazendas Santa Thereza, Vista Alegre, Campo Alegre, Caieira, Chacrinha e do Sítio Retiro (Velho) e, aos poucos, os enormes cafezais destas fazendas vão sendo substituídos por pastos, como se sucedeu com todas as fazendas do vale do Paraíba.
Chacrinha passa a ser o ponto de encontro dos Oliveira Castro, que promovem jantares, festas e saraus, sendo que alguns destes momentos memoráveis foram registrados pelas lentes de Octávio Mendes de Oliveira Castro, irmão de Álvaro. Com o passar dos anos, Álvaro adquire a parte de Horácio na sociedade, tornando-se único proprietário da Companhia e, em 1956, toma a iniciativa de dividir seu patrimônio entre seus cinco filhos. A fazenda Chacrinha, com 40 alqueires de terras e mais a histórica sede, ficou em condomínio entre os cinco filhos. Tempos depois, Fernando, Geraldo e Cecília compram a parte de Maria Eugênia e Roberto no condomínio7 . Em 1985, os irmãos Oliveira Castro vendem Chacrinha ao empresário e médico carioca Dr. Pedro Alberto Guimarães, na época um dos diretores do Grupo Monteiro Aranha. Dr. Pedro Alberto Guimarães, um apaixonado por antigas fazendas de café, adquiriu e recuperou da ruína algumas casas históricas, entre elas Santana do Turvo, em Barra Mansa, e São Fernando, em Vassouras. Com Chacrinha não foi diferente, embora seu estado de conservação fosse excelente. Em agosto de 1987, as obras de restauração foram inauguradas com toda pompa e circunstância, porém Dr. Pedro Alberto ficou pouco tempo com a Fazenda Chacrinha e, em 1996, resolve vendê-la a um casal de advogados cariocas (f56).


¹ Sesmaria de Joaquim José dos Santos - Valença -1808; 112 fls, Caixa 148. Arquivo Nacional / Rio de Janeiro.
² Sesmaria de Alexandre Manoel de Lemos / caixa 146 / nº 03 – Arquivo Nacional / Rio de Janeiro.
³ Inventário de Manoel Pereira de Souza Barros. Código de Fundo: 3J Seção de Guarda: CODES SDJ / caixa: 18. Ano: 1872, Juízo da 1a Vara Cível / Arquivo Nacional / Rio de Janeiro.
(4) Idem.
(5) Inventário do Barão de Vista Alegre - 1891 / caixas 23, 24 e 25 / APJ. Museu da Justiça / Rio de Janeiro.
(6) Escritura de empréstimo à juros com obrigações de hipoteca que ao Banco do Brasil fazem Esteves Irmãos & Companhia. Fazenda Chacrinha. Cartório do 30º Ofício de Notas, Lv. 467, Fls. 23-24v 05/08/1892. Microfilme: 010.64-79. Arquivo Nacional / Rio de Janeiro.
(7) Dados passado por D. Regina Maraes da Costa, Neta de Álvaro Mendes de Oliveira Castro, em novembro de 2008.